A Justiça da África do Sul deu início nesta segunda-feira (29) às audiências para julgar se a antiga bandeira que simbolizou o regime de segregação racial do apartheid deve ser considerada "discurso de ódio" e seu uso, portanto, passível de punição.
A audiência do caso está sendo realizada em Joanesburgo, na Corte de Igualdade da África do Sul, um tribunal que julga assuntos relacionados à igualdade de direitos e princípios de não discriminação estabelecidos pela Constituição.
A causa contra o "uso gratuito" da bandeira é promovida pela Fundação Nelson Mandela -- que mantém o legado do falecido Nobel da Paz e primeiro presidente negro do país --, com o apoio de outras organizações civis e instituições, como a Comissão Sul-Africana de Direitos Humanos.
Na apresentação do caso na primeira audiência, a fundação argumentou que qualquer uso da bandeira que não tenha fins justificados, como "jornalísticos, acadêmicos ou artísticos", deve ser considerado um ato de "discriminação", de "assédio" e de "discurso de ódio" contra a população negra do país, que viveu oprimida durante quase 50 anos por culpa do apartheid.
No entanto, do outro lado está o grupo de pressão africâner AfriForum, que defende que o uso da bandeira não pode ser punível por se tratar de uma questão de liberdade de expressão.
"Se o apartheid foi um crime contra a humanidade (declarado pela ONU) e esta bandeira representa o apartheid, ela representa um crime contra a humanidade e devemos encontrar o caminho para colocá-la onde merece estar, em ambientes acadêmicos ou em museus. A antiga bandeira significa muito para muita gente, principalmente dor. Pessoas perderam famílias e a bandeira significava que o apartheid estava por ali. Dizer que isso é liberdade de expressão é dizer que alguém é livre para expressar o ódio", explicou à agência Efe Luzuko Koti, diretor de Comunicação da Fundação Nelson Mandela.
A causa foi aberta depois que a antiga bandeira apareceu em protestos de agricultores africâneres contra a violência que sofrem habitualmente -- muitas vezes com consequências fatais - devido aos conflitos pela desigual divisão de terras (majoritariamente ainda nas mãos de pessoas brancas) e por causa da criminalidade geral do país.
A antiga bandeira -- com três faixas horizontais nas cores laranja, branca e azul -- entrou em vigor em 1928 para simbolizar a União Sul-Africana, nome do território enquanto durou o domínio britânico, e valeu até 1961.
Após a independência oficial do país, a mesma bandeira representou a República da África do Sul até a chegada da democracia multirracial, nas eleições de 1994. A bandeira esteve em vigor, portanto, durante todo o obscuro período de segregação racial do apartheid, que oficialmente começou a valer em 1948.
Com a chegada da democracia, a bandeira foi substituída pela atual, que inclui as cores vermelho, branco, verde, azul, preto e amarelo, para simbolizar a diversidade do país.
Apesar de ser apelidada como a "Nação Arco-Íris" desde então, a África do Sul ainda convive com fortes tensões raciais e uma sociedade muito desigual na qual a maioria negra continua ocupando as camadas mais baixas.