A demissão do ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez na semana em que o governo Jair Bolsonaro completa seus 100 dias marca uma gestão que, entre crises, controvérsias e recuos, gerou insegurança nos servidores, nos gestores estaduais e municipais e nos especialistas sobre os riscos para a execução de metas e ações prioritárias.
Dono de um dos maiores orçamentos do governo federal, o Ministério da Educação (MEC) se arrasta desde a metade de janeiro em uma disputa interna que opõe dois grupos com visões distintas de como a pasta deve operar. Houve ao menos 14 demissões no alto escalão, inclusive para o cargo de secretário-executivo (o "número 2" da gestão), além da publicação de documentos oficiais com incongruências, que depois foram anulados, além de frases polêmicas de Vélez, que levaram a críticas.
Para o lugar do Vélez, Bolsonaro indicou o economista Abraham Weintraub.
Na sexta (5), o presidente Jair Bolsonaro disse que estava "bastante claro que não está dando certo" o trabalho de Vélez no Ministério da Educação. Segundo Bolsonaro, "está faltando gestão" na pasta.
A declaração do presidente ocorreu dois dias após o então ministro dizer que pretendia revisar livros didáticos sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Depois, Vélez disse que as mudanças não seriam uma doutrinação. "Mudanças poderiam ser realizadas progressivamente, trazendo uma versão mais ampla da História, e só após passar por uma banca de cientistas da área. Doutrinação como foi feito pela esquerda, jamais".
Confira abaixo os principais pontos polêmicos da gestão Vélez:
(Abaixo, veja mais detalhes sobre cada um dos temas.)
A crise na gestão de Vélez foi marcada por uma disputa interna entre dois grupos. O primeiro é formado por militares e por ao menos um coronel que tinha afinidade com o então ministro. Esses integrantes defendem um plano de governo mais pragmático: projetos como educação a distância, criação de colégios militares em capitais e modernização da gestão.
O segundo grupo é constituído por seguidores do escritor de direita Olavo de Carvalho e por ex-alunos de Vélez. A chegada dessa equipe ao governo do presidente Jair Bolsonaro causou atritos com quem que já participava das discussões sobre educação desde a campanha eleitoral. O principal ponto para esse grupo “ideológico” é expulsar do MEC qualquer resquício de “marxismo cultural” ou de “pensamentos esquerdistas”.
Na sexta (5), o presidente Jair Bolsonaro negou que houvesse disputas internas no governo. "Não existe [disputa de] olavetes contra militares", afirmou o presidente, referindo-se à disputa entre as alas "ideológica" e "pragmática" do governo.
Antes de oficializar a demissão de Vélez, Bolsonaro havia negado mais de uma vez que afastaria o ministro do cargo:
"Continua. Ele teve um problema com o primeiro homem dele. Mas está resolvido", respondeu o presidente da República aos jornalistas, referindo-se à demissão do secretário-executivo do MEC, Luís Antônio Tozi.
“Eu tenho seis filhos e tenho problemas de vez em quando. Imagina com 22 ministros”, complementou Bolsonaro, que depois teve que se corrigir, esclarecendo que, na verdade, tem cinco filhos.
Mais tarde, o próprio Vélez usou as redes sociais para dizer que estava "100%" alinhado com o Palácio do Planalto.
No dia 27 de março, Bolsonaro publicou nas redes sociais que os rumores de que teria decidido demitir Vélez eram falsos.
"Sofro fake news diárias como esse caso da 'demissão' do Ministro Vélez. A mídia cria narrativas de que NÃO GOVERNO, SOU ATRAPALHADO, etc. Você sabe quem quer nos desgastar para se criar uma ação definitiva contra meu mandato no futuro. Nosso compromisso é com você, com o Brasil”, postou.
Vélez reproduziu o post em sua página nas redes sociais.
Bolsonaro foi duas vezes questionado sobre a permanência de Vélez no MEC. Em ambas, não respondeu.
As perguntas foram feitas por jornalistas na saída de uma churrascaria em Brasília. Na primeira, o presidente ficou calado. Na segunda, começou a falar sobre a reforma da Previdência, mas, ao ser indagado sobre o ministro, deixou o local e entrou no carro para ir embora.
Um dos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que foi ao mesmo jantar, também foi alvo de questionamentos sobre uma possível demissão do ministro Vélez. Ele respondeu: "O presidente é quem fala".
Em um café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto, Bolsonaro sinalizou que poderia demitir Vélez. "Está bastante claro que não está dando certo" o trabalho de Vélez no Ministério da Educação. Segundo ele, "está faltando na gestão" na pasta.
Mais de uma dezena de pessoas já deixaram cargos importantes no Ministério da Educação (MEC) desde janeiro. As baixas mais recentes ocorreram na quinta-feira (4) e foram as do assessor especial do ministro para a comunicação e da chefe de gabinete do ministro, que havia assumido o cargo em março – antes, ela estava na Secretaria-Executiva.
— Foto: Infografia/G1
No dia 2 de janeiro de 2019, o edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) foi publicado com alterações polêmicas: livros escolares poderiam ser comprados e adotados pelas instituições de ensino mesmo que apresentassem erros e propagandas. Também não precisariam retratar a diversidade étnica e o compromisso com ações de combate à violência contra a mulher.
No dia seguinte, após repercussão negativa, o edital foi anulado. Segundo a assessoria do MEC, as alterações do PNLD haviam sido feitas no governo Temer. O ex-ministro Rossieli Soares negou ter feito as mudanças.
Cerca de uma semana depois, em 11 de janeiro, Vélez exonerou dez pessoas que ocupavam cargos comissionados no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), incluindo o chefe de gabinete do órgão, Rogério Fernando Lot. Foi ele quem assinou o edital com as mudanças polêmicas sobre os livros escolares.
No cargo desde 2016, Maria Inês Fini havia sido nomeada presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) por Michel Temer e foi exonerada em 14 de janeiro após polêmicas sobre o Enem. A prova trouxe uma questão de linguagens que tratava do dialeto pajubá, conjunto de expressões associadas aos gays e aos travestis.
Uma semana depois, em 22 de janeiro, o ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcus Vinicius Rodrigues foi nomeado presidente do órgão. Ele passou pouco mais de dois meses no cargo, e foi exonerado em 26 de março.
Em entrevista à TV Globo após ser demitido, o ex-presidente do Inep disse que não há comunicação dentro do ministério. Na segunda-feira (25), Rodrigues havia assinado uma portaria sobre as novas regras do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Segundo o documento, a avaliação da alfabetização de crianças não seria feita na edição de 2019. Horas depois da publicação no Diário Oficial da União, o Inep afirmou que esse teste só seria aplicado em 2021. A portaria provocou o pedido de demissão de Tania Leme de Almeida, secretária de Educação Básica, e foi anulada no dia seguinte pelo ministro da Educação.
"A gente respira educação, a gente dorme educação, acorda educação, come educação. O quanto custa a gente poder permitir que os projetos tenham andamento? Se isso custa, de repente, eu estar no ministério, que isso possa realmente ser um preço que eu pago. E que a educação possa ser de qualidade no nosso país", afirmou Tania, em sua despedida no Conselho Nacional de Educação.
Fontes ouvidas pelo G1 afirmam que a falta de comunicação e articulação internas fizeram com que ela não fosse informada da decisão. O ex-presidente do Inep diz que assinou a portaria com respaldo do secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim. Um documento mostra que, de fato, Nadalim havia feito a recomendação para que a alfabetização não fosse avaliada em 2019.
Marcus Vinicius Rodrigues disse que "foi um processo muito ruim, que mostrou a incompetência gerencial muito grande." Ele também declarou que, em três meses de governo, não houve nenhuma reunião de trabalho com o ministro da Educação.
Em audiência pública na Câmara dos Deputados, Vélez disse que Rodrigues deixou o cargo porque "puxou o tapete".
"A última demissão no MEC [ocorreu] porque o diretor-presidente do Inep puxou o tapete. Ele mudou de forma abrupta o entendimento que já tinha sido feito para a preservação da Base Nacional Curricular e fazer as avaliações de comum acordo com as secretarias de educação estaduais e municipais", afirmou o então ministro.
Para Vélez, embora Rodrigues tenha se baseado em pareceres técnicos, a questão não havia sido debatida.
O edital com as diretrizes para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi publicado em 25 de março sem fazer menção aos alunos em fase de alfabetização. A expectativa era de que os alunos estivessem incluídos neste teste. Isso porque, até o ano passado, a alfabetização era mensurada pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), mas em junho de 2018, o então ministro da Educação, Rossieli Soares, disse que a ANA seria extinta e incorporada ao Saeb – alunos do 2º ano do ensino fundamental passariam a ser avaliados ao lado dos estudantes do 5º e 9º ano do fundamental e do 3º ano do ensino médio.
Quando questionado sobre a ausência dos alunos da alfabetização no edital, o Inep informou que eles passariam a ser avaliados no Saeb somente em 2021. O órgão não informou se em 2019 e 2020 haveria algum outro tipo de avaliação da alfabetização no Brasil.
Mais de dez dias depois da revogação da portaria, o Inep não havia informado quando haverá a publicação das novas regras do exame.
Em 16 de janeiro, o Diário Oficial da União trouxe a nomeação de Murilo Resende Ferreira para o cargo de diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, diretoria que coordena o processo de elaboração de provas como o Enem.
Dois dias depois, em 18 de janeiro, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, decidiu "tornar sem efeito" a nomeação de Resende.
Na mesma portaria, foram nomeadas outras quatro pessoas para ocupar cargos vinculados ao Ministério da Educação, entre eles Anderson Ribeiro Correia, o novo presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Em entrevista à revista "Veja", Ricardo Vélez afirmou que, viajando, o brasileiro é um "canibal". "Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola", disse o então ministro.
O Congresso pediu que ele fosse se explicar. Em documento ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Vélez disse que foi “infeliz” ao fazer a declaração.
O ex-ministro publicou um vídeo no site do MEC afirmando que pretendia impulsionar o Projeto Rondon na sua gestão. O projeto foi criado em 1968 com o objetivo de levar estudantes do ensino superior em viagens de prestação de serviços em comunidades de todo o território brasileiro. Ele havia sido extinto em 1989, mas foi reativado a partir de 2005 pelo Ministério da Defesa (MD). O MEC é um dos parceiros na iniciativa.
Vélez, no entanto, não apresentou as medidas concretas para impulsioná-lo.
No mesmo vídeo publicado no site do MEC, o então ministro afirma que quer retomar o ensino de conteúdos de "educação cívica" nas escolas brasileiras. Mas ele não explicou como isso seria aplicado.
"Então, eu vou dar muita ênfase a isso, à retomada desse processo de ensino de valores fundamentais, fundantes da nossa vida. Tanto no ensino infantil, quanto no ensino fundamental, ao longo de todo o ensino fundamental e, por que não, continuando no nível universitário”, disse.
Em fevereiro, Vélez afirmou que a universidade não é para todos. Em entrevista à revista Veja, o então ministro afirmou que essas instituições de ensino representam uma elite intelectual, "para a qual nem todo mundo está preparado ou para a qual nem todo mundo tem disposição ou capacidade".
O Ministério da Educação anunciou que vai rever a proposta de mudanças na formação dos professores da educação básica feita na gestão do ex-presidente Michel Temer.
O documento, chamado de Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica (BNC Formação de Professores), havia sido entregue em dezembro ao Conselho Nacional de Educação (CNE), e a expectativa era que ele fosse avaliado e aprovado ainda em 2019.
Procurado pelo G1, o MEC afirmou, em nota, que não está definido se o documento apresentado pela gestão anterior será alterado ou mantido.
Vélez enviou uma carta às escolas de todo o país pedindo que os diretores lessem para as crianças um texto que continha o slogan de campanha do então candidato Jair Bolsonaro e que filmassem os alunos cantando o Hino Nacional. As imagens deveriam ser enviadas ao MEC.
O Estatuto da Criança e do Adolescente veta a divulgação de imagens de menores de idade sem autorização dos pais. Já a reprodução do slogan de campanha de Jair Bolsonaro pode ferir a Constituição de acordo com o artigo 37, que diz que a administração pública de qualquer um dos poderes deve seguir os princípios da "legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência". O Ministério Público Federal em Brasília informou que vai apurar se o ex-ministro cometeu improbidade administrativa.
Em 26 de fevereiro, Vélez reconheceu que errou ao pedir que as escolas filmassem as crianças sem a autorização dos pais. Dois dias depois, ele desistiu de pedir o vídeo às escolas, por questões técnicas de armazenamento e de segurança.
Em 5 de abril, o Ministério Público Federal (MPF) divulgou recomendações ao ministro depois de instaurar procedimento para apurar de Vélez havia cometido improbidade administrativa com o pedido. O resultado da apuração mostrou que a carta foi enviada antes de que órgãos consultivos do MEC, como especialistas jurídicos, fossem consultados, e que ela foi recebida por cerca de 24 mil escolas públicas e privadas.
O MPF recomendou que o ministro, além de se abster de violar a laicidade do Estado e de priorizar as metas do Plano Nacional de Educação, também evite "praticar atos ou adotar medidas sem prévia análise jurídica e técnica da área responsável".
Em março, o Inep anunciou a criação uma comissão para fazer uma "leitura transversal" das questões que compõem o Banco Nacional de itens do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo o instituto, os coordenadores apresentariam o resultado em 10 dias.
Na quarta-feira (3), a comissão concluiu os trabalhos, mas não divulgou o resultado devido "ao caráter sigiloso" do banco de dados. No mesmo dia, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal (MPF) pediu ao Inep mais informações sobre a comissão.
Após a polêmica da carta às escolas, o presidente Jair Bolsonaro determinou que Vélez demitisse não só assessores, mas também militares do ministério. A ação era uma tentativa de aplacar a guerra interna da pasta.
No dia 11 de março, em edição extra do Diário Oficial, o governo Bolsonaro exonerou seis nomes que ocupavam cargos do alto escalão do Ministério da Educação:
Nessa mesma edição, foram nomeados os novos ocupantes de três dos seis cargos que haviam ficado vagos:
Em 4 de abril, Bruno Meirelles Garschagen, assessor especial, e a chefe de gabinete Josie Priscila Pereira de Jesus, foram exonerados.
Para o cargo de Josie, Marcos Araújo foi nomeado. Ele foi coronel da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal e subcomandante geral da Polícia Militar do Distrito Federal em 2016.
Desocupado durante 17 dias, o cargo de secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC) foi preenchido por Ricardo Machado Vieira. A nomeação foi publicada na edição de 29 de março do "Diário Oficial da União" (DOU).
Ricardo era assessor especial da presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) desde fevereiro de 2019. Ele é militar — segundo seu currículo, é tenente-brigadeiro e já ocupou o posto de chefe do Estado-Maior da Aeronáutica (FAB).
Em três meses de gestão, é a quarta vez em que o governo anuncia um nome para o cargo de "número dois" do MEC. Luiz Antônio Tozi permaneceu no posto até o dia 12 de março, quando foi demitido em um ato de "reestruturação" promovido por Vélez.
Com a saída dele, o nome de Rubens Barreto da Silva, que até então era secretário-executivo adjunto, foi anunciado por rede social. A nomeação para o novo cargo, no entanto, não chegou a ser publicada no Diário Oficial.
Em seguida, Iolene Lima foi colocada no posto, também sem publicação no DOU. Ela foi demitida oito dias depois.